Cuidado com a língua!

20-Out-2006. Programa "Cuidado com a Língua", RTP1. Deve ser ingrato fazer um programa quase só sobre erros de português, porque qualquer erro que apareça no próprio programa é implacavelmente aproveitado (ainda que corrijam o erro no programa seguinte e justifiquem que foi "gralha"; gralha é escrever "franvês", "francÊs" ou "franc~es"; escrever "françês" [sic] não é garantidamente gralha). Gosto do programa? Sim (isto era o que eu tinha a dizer de positivo do programa), com uma grave excepção (agora segue-se, até ao fim, o que tenho a dizer de negativo): é presunção querer ensinar o povo a falar. Ensinar a escrever é uma coisa, mas ensinar a falar é outra. Ensinar a escrever é ensinar a comunicar formalmente e sem margem para interpretações dúbias, mas ensinar a falar é impor uma norma própria (por definição, do passado) e impedir a evolução da língua. Sei que a língua não evolui exclusivamente por via oral, mas evolui sobretudo por via oral. Se já houvesse televisão no tempo dos
nossos tetravós, este programa não se chamaria "Cuidado com a Língua", chamar-se-ia o equivalente em latim (ou algo ainda mais antigo), e andaria o locutor a dizer (em latim ou algo ainda mais antigo) "não corrompam a língua!, não inventem palavras!, não esqueçam as declinações!, não se ponham a inventar os artigos!, não alterem a ordem dos elementos na frase!" e por aí fora. Dizer ao povo que é errado pronunciar "a grama" ou "o personagem" (exemplos recentes que cito de memória) é presunção. Foi o povo que inventou a gramática e o prontuário actuais, não foram os linguistas que inventaram a língua e a impuseram ao povo. Serão os gramáticos a reconhecer o "hadem" e não o povo a submeter-se a usar o "hão-de", tal como serão os dicionaristas a reconhecer "a grama" e "o personagem".

2 comentário(s)

Comentário de Blogger Francisco:

Sim, "françês" não parece gralha, até porque num teclado normal o "ç" e o "c" estão muito afastados.

Ainda só vi um ou dois programas daqueles, mas parece que até cometem erros (gralhas?) em línguas estrangeiras. O meu irmão mandou-lhes um e-mail com o seguinte texto:
"Penso, salvo desatenção minha, que cometeram um erro ao justificar o facto de o substantivo "personagem" ser feminino: disseram que essa palavra era um galicismo e que, em francês, se dizia "le personnage". Porém, o artigo "le" em francês, significa "o", portanto, sendo feminino, dir-se-á "la personnage", uma vez que "la" em francês, é que é o artigo feminino."

08/12/06, 15:36  
Comentário de Blogger Obsecado [sic]:

Caro amigo, pelo que percebo, "personagem" no masculino é um galicismo (porque é masculino em francês), mas "personagem" no feminino não o é, porque era como se dizia (e devia dizer) antes de sofrer a influência do francês.

11/12/06, 11:05  

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